quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sobre enxergar

Eu desconfio dos passos. Desconfio das pessoas, da paz, da calmaria das águas, da chuva que não cai. Desconfio até de mim, dos meus anseios e medos angustiantes. Só não desconfio da vida, que se passa despercebida aos olhos de muitos mal observadores.

Vezemquando lembro-me de "Ensaio sobre a cegueira", de Saramago, e admito querer que um dia todas as pessoas acordassem cegas, sentindo-se sozinhas, fracas, vulneráveis e, também, afastadas do mundo e das outras pessoas. Seria humanizar o que antes era desumano. Porque talvez só assim elas entenderiam e dariam significado pros olhos que tem. E só assim conseguiriam enxergar o que, com os olhos puramente abertos, ninguém vê (ou pelo menos fingem).

Também iriam entender que quando a visão turva ou desfoca, paramos e ficamos onde estamos. Que quando a visão aumenta demais, enxergamos - na maioria das vezes - muito além do que poderíamos imaginar, tornando nossas ações complexas demais para um bom entendedor. Que quando enxergamos pouco, corremos o risco de ficarmos cegos e, às escuras, não compreendermos que talvez estamos mesmo no apagão dos céus e não mais na luz. É tudo questão de visão.

E desconfio dos meus olhos. Porque eles mentem quando estão cansados. Porque eles sofrem quando estão abertos demais. Porque eles se impressionam com poucas coisas. Porque eles são, por si só, desconfiados. Porque me remete que às vezes o pouco que eles enxergam, é muito demais pro meu coração.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Sublimação

Deita a cabeça no travesseiro e pensa. Mas pensa mesmo, sem julgar, criticar, desvirtuar qualquer tipo de primeira impressão analisada. Prepara os olhos, porque a vista que verás é bem mais lúcida e devastadora do que qualquer devaneio alheio – e chora. Não precisa ter medo, é só puxar o ar quente de dentro do peito e respirar fundo. Verás que as tuas mãos já congeladas esquentarão de repente. Verás que teus pés trêmulos pararão. Verás que tua boca seca umedecerá. Verás o que não quisestes antes ver.

Saia de casa. Vá até o pátio e recolha as roupas secas do varal, trocando-as pelas molhadas que acabastes de lavar. Veja a evaporação lenta e contínua que a transparência do sol permite atenuar. Troque os lençóis da cama, varra seu quarto. Esqueça que algum dia encontrou vestígios de cabelos e rabicós pelo chão.

Não deixe o gelo congelar teu coração. Não destrua tua essência. Não sufoque tua alma. Pinta a tua vida, que pintarás a vida dos outros também. Pincela cada passo do teu caminho e não deixe que as marcas de uma possível tropeça te impeçam de continuar firme e forte. Lembre-se que na linha da vida existem as bifurcações e o caminho do sol só é visto com os olhos bem abertos às coisas novas.
Veja bem, as flores estão no jardim, o sol no céu, o mar no chão. E tu, estás onde?

Metanoia

Não culpo a ciência por ter nascido tão frágil e desorganizada. Nem culpo a mídia por me passar tantas informações, fazendo eu me perder nessa bagunça instável do meu ser. Nem Nietzsche me entenderia, até que me é compreensível. Ando deslocada num “on call” tão desnecessário, mas que me é bonito. E tantas coisas “me são” ultimamente.

Olha pras nuvens e vê se me enxerga por lá. No meio desse céu imenso, quem é que não vai se perder diante da luz? A cada esquina tem uma coisa esquisita que esbarramos vez’enquando, e a cada estranheza o sol se desfaz nas nossas mãos. Não deixe. Não corra. Não sonhe demais. Dois pontos e uma frase de impacto seriam insuficientes pra concluir esse parágrafo.

Sei que não compreendes aonde quero tanto chegar. Nem eu mesma sei, só me vou. A mudança e busca pelo novo é o que rege os meus caminhos agora. Entrego minha mão pra quem quer segurá-la, não pra quem foi sem se despedir. E não me despeço também. Esse não é meu último texto, nem será. A única certeza que tenho é que a incerteza do futuro me sufoca, mas não me para. A coragem está nas minhas mãos.

Olhou pras nuvens? Me viu por lá? Não deve ter visto. Eu estou em Nárnia, no outro lado do jardim da Babilônia, correndo com as ovelhas, descartando qualquer coisa que faça sentido nessa minha escrita, porque o destinário para qual escrevo não vai entender e eu não vou saber explicar.

Pega um meteoro e vai pra Marte. Eu ficarei bem aqui.
Bem, aqui.

Sonhíferos

Acordei. Acordei e olhei ao redor para ver se eu ainda estava deitada na mesma cama. Me remete momentaneamente na cabeça cenas desfocadas de libélulas e luz, muita luz. E em outros instantes eu vejo essa mesma luz se desorientar e expandir na escuridão em inúmeros e pequenos feixes. A vida corre e a intensidade da expressão em que me refugio dormindo também some. Durmo.

Dizem por aí que os sonhos são sempre nossos maiores bens, que devemos nos agarrar em cada um deles como se fosse nossa última alternativa de sermos, por fim, felizes. Eu tenho todos os sonhos do mundo também, Fernando. E tenho todos eles enlaçados entre os dedos. Às vezes sinto que eles escorregam das minhas mãos, mas são instantes tão breves que nem se quer me preocupo – o que é meu, por direito, sempre volta. 

Acordo. Ouço os relâmpagos da tempestade que devasta tudo o que a cerca. Desta vez apalpo a cama para ver se ainda estou deitada nela. Estou e a tempestade é dentro de mim. O mais errado disso tudo não é o fato de eu ter acordado e finalmente percebido que a chuvara com a qual eu tanto me acanhava era dentro de mim, mas sim por saber que talvez o arco íris demore para chegar e que, sem querer, a chuva não molha só o meu corpo. Durmo.

Os sonhos são pesadelos que deram errado. Porque na verdade a vida não passa disso: sonhos que deveriam ser pesadelos, mas no ato não o são. Nem aqui, nem aí. Tu não enxergas. Os sonhos são mutáveis, piores que o hiv atuando na corrente sanguínea. Patologicamente falando: não morremos de AIDS, morremos de doenças oportunistas. Resumindo: não morremos de amor, morremos de outros sentimentos oportunistas.

Acordo e durmo. E sigo assim, até que os sonhos dos quais eu tanto prezo tenham realmente alguma direção definida, com horário e local de chegada e partida.

Não subestima teus sonhos, rapaz. Mesmo que a gente não encontre razões para que eles continuem vivos. Sonha mais, cada vez mais. Porque o sonho é um sentimento oportunista e antes morrer por um sonho do que por amor.

Stonehenge

E eu senti tudo isso. Talvez mais, talvez menos, sem medida. E ainda sinto. Tem dias em que me calo e fico que nem uma pedra: inabalável. Em outros eu grito constantemente, descabelo, enlouqueço. A voz rouca e cansada já não demonstra mais, se torna um gelo, uma múmia, um fantasma. A gente cansa e dorme. A gente acorda e tudo volta. Reviravolta. Revira-volta. É destruidor e sufocante. E do contrário como pensávamos: não passa tão fácil assim. Demora e, infelizmente, não é algo que dependa do tempo para passar. Depende da gente e mais especificamente de dentro da gente. Depende do deixar o sol entrar. Depende do querer que o sol entre. 

Se estamos na chuva, sem dúvida alguma estamos conscientes de que vamos nos molhar. E diante de toda essa coragem que não sabemos de onde vem, mas sabemos que existe, não há no mundo uma sequer razão e sentido para a vida. Porque o que nos instiga mesmo é esse mistério, esse não saber, esse procurar nos livros, ler nos jornais, ouvir dos mais velhos todas as vivências de suas vidas. “Se alguém encontrou um sentido pra vida, chorou”.

Descansa os olhos, minha irmã. Deita e dorme como um bebê. Descansa as ideias, a cabeça, a vida. Porque bem sabe que fizestes (e continuas) fazendo de tudo. E se perderes a direção, cautelosamente estarei aqui. Se tropeçares, do jeito que sou, sabes bem que irei te erguer sem que percebas que sou. Se caíres, me jogo por cima e caio junto. Porque me gusta mucho incomodar-te. Porque quiero mucho ver tu sonriso otra vez.

Pra ninguém entender

E embora os livros espíritas me dissessem, eu nunca saberia para onde a morte poderia nos levar. Talvez essa história de céu fosse mera invenção e a bíblia não passasse do primeiro livro de contos de fadas da história. Quem dera Zeus tivesse existido e estivesse aqui para me dizer que deuses não existem, que ele também é um mero mortal.

Tudo que não rima entre a vida e a morte somos nós. Tudo. Desde as cores das pupilas que esvaem as almas amarelas, até a cor condensada de pele, o fosco e solitário sorriso perdido por aí. Ora, por que o céu faz questão de colorir tudo e a morte só é lembrada quando se vestem de preto? Por que não trocamos os adjetivos e buscamos a resposta no óbvio? 

Compreende-se que tudo que se rima está escrito ou não em um mesmo poema e que esse poema tem que ser, necessariamente, escrito pelo mesmo autor. Mas por que não compreende-se que poemas são mesclas da vida dos outros e que, necessariamente, precisam falar sobre as mesmas coisas e refletir sentimentos contínuos? Por que não compreende-se que todo verso escrito surge de uma palavra não dita?

Então tudo o que está escrito nos poemas e na bíblia se dissolve no ar. O pensamento se vai. E sabemos que a vida não rima com cor, mas rima com rima. E precisamos entender que, vez em quando, a morte também rima com forte. E ser forte, nos temos de hoje, é ter coragem de não rimar com a vida, é ter coragem de perceber que é (e tem-se) a única saída.

Tudo que rima com amor e tristeza

Tudo que não rima com amor, rima com tristeza. E dentre todas as coisas que rimam com amor, você é a que mais rimou comigo. Tens bons gostos: Chico, Zé, Nando… são tantos nomes e trilhas, tantas caras e bocas e palavras não ditas, mas que ficam nas entrelinhas do vai e vem dos nossos olhos. E por falar em olhos, minha pupila dilata quando te enxergo e, embora não percebas, quase sempre penso em ti (é por isso que quase nunca olho nos olhos – entregaria fácil o quanto gosto do teu charme). Já falei das estrelas? Ou do quanto tu rima com elas nos breves flashes de luzes que incendeiam nas noites em que o luar não predomina? Já falei dos teus tons, sons, grooves e blues? Ah, me desculpe, querida, eu deveria estar em Nárnia. (…)

Mas pressuponho que te irrita facilmente os meus desaparecimentos e minhas constantes crises existenciais. Pressuponho que te aflija, atinja, incomode. Pressuponho que minhas justificativas são incoerentes e confusas. Pressuponho que tenta me entender, mas não consegue (e teria como o fazê-lo?). Pressuponho tantas coisas e queria, realmente queria, fazer alguma coisa a mais a não ser lhe escrever sobre as nossas aventuras distantes, mas os dias tem sido tão difíceis para mim que qualquer sirene tocando eu já saio pulando de alegris pensando ter, finalmente, passado para a fase do “paraíso”. Pois bem sabes: tudo que não rima com amor, rima com tristeza. E não, não estou triste pelos outros ou pelo que era para ter sido mas não foi. Estou triste porque as pessoas são más, porque não gosto mais de filmes românticos, porque não consigo escutar as mesmas músicas de antigamente, porque me sufocam os verões. Estou triste porque as ruas continuam as mesmas e eu não consigo cruzá-las da mesma forma. Triste porque me sinto sozinha quando rodeada de vozes cantantes. Triste porque eu deveria me surpreender menos e admirar mais. Triste porque estou cansada. Enfim, triste: uma relação paradoxa do meu eu com meu mim, compreendes?
E dentre todas as coisas que rimam, sei que o amor e a tristeza fazem parte do meu verso. E sabes bem que meu show é ao vivo e a cores, de preferência acústico. E sabes mais bem ainda que cantar Chico é o mesmo que se enterrar nessa fossa. Só não sabes que num desses poços de lágrimas existe alguém que quer levantar, se erguer e cantarolar com as vozes cantantes; e fazer parte do teu luar e das tuas cores; e sonhar com um mundo tão nosso sem pessoas más.

Ah, me desculpe, querida, por andar tão solta e te deixar sozinha, por não conseguir seguir teus passos e me perder na solidão. Chico me ensinou que amanhã vai ser outro dia, que eu vou poder correr pra te acompanhar, mesmo nas ruas que eu não conseguia cruzar.