quinta-feira, 16 de março de 2023

Queda livre

Escrevo de um outro lugar. Um lugar com vistas altas, perto das nuvens, dos pássaros. Chegar até aqui foi difícil no começo - a persistência nunca foi o meu forte - mas algum caminho que eu percorri foi suficiente o bastante para estar aqui. Falo dessa vista alta porque a altura nunca foi algo que eu gostasse - me chama a atenção. Estar no alto me gera medo, insegurança, angústia. A queda livre é uma consequência certa, caso dê um passo em falso, e eu sou mestre em dar falsetes, modéstia parte. A liberdade de voar é o figurino da alma, que se costura na carne como um pássaro bate asas - estamos em busca disso, e queremos constantemente garantir que estejamos livres. Como uma corda bamba presa na altura, tu precisa contorcer o corpo e direcionar teus pés um em frente ao outro para poder andar. Teus braços formam uma asa, que segura e dá sustento. É preciso ser breve, mas cauteloso: sem movimentos bruscos, ou cai - mais uma vez - em queda livre. Os segundos que antecedem a queda são imprecisos mas fáceis de sentir no corpo. A respiração fica ofegante e o coração bate acelerado. Não podes controlar, é fisiológico. Te desesperas. O desespero é irracional. Quando surge, nos direciona para outros lugares que muitas vezes não conseguimos lidar sozinhos. É atravessado por um emaranhado de gatilhos e traumas de coisas dessa e de outras vidas. Nos boicota. Garante um espaço na nossa neblina da mente. É sufocante. Enquanto isso, tua queda continua, numa velocidade que aparentemente se manteve constante. Só cai. Não sentes mais nada, a adrenalina tomou conta do teu corpo. É sobre isso: não garanto minha constância, minha essência é de uma matriz romântica-abstrata, meio indie e sem filtros. Tem coisas que a gente não consegue controlar e está tudo bem. Façamos desse processo o menos doloroso possível. Enquanto cai, respira pela última vez e sente teu corpo adormecendo em paz. É tempo de naturalizar a queda e respeitar o teu processo de bater asas.