terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Para ler ouvindo Jake Bugg - Slide

Noite passada passei em claro pensando que, se pudéssemos, iriamos a praia hoje à noite imaginar como seríamos daqui há alguns anos. E me vem na cabeça o teu rosto com o teu olhar sugador me encarando como se não houvesse o amanhã. Teu corpo inteiramente ligado ao meu, como num flash de memória recém digerida da qual estou me acostumando de perdê-las aos poucos. Nesse momento eu conto quantas palavras te escrevo, quantas músicas ouço pra reativar o que aqui dentro de mim ainda estava intrinseco, como se estivesse bloqueado ou não existisse possibilidade alguma de simplesmente sair e voar, livremente, no meio dos teus escritos também. É quando observo o dia amanhecer e meus olhos - aqueles que nunca se fecham - sentirem necessidade dos teus olhos também. Eu levantei da cama sentindo o cheiro do café passado, da torrada da noite passada e das nossas cadeiras, lado a lado, para que pudéssemos enfim acordar juntas. Percebi que não é suspense nem drama, eu estou sofrendo de terror, meu amor. Percebi que não é um filme, mas uma realidade, que não é um amor que se esvai por entre os dedos diante de qualquer possibilidade de perda ou desistência de ambas as partes - percebi que é o que se passa, dentro da gente, que nos faz sermos cada vez mais perspicaz com as nossas vidas. Eu sei, soa completamente tolo, mas desabafo aqui agora, meu bem, para que saibas que o tempo que não escrevi, vivi. Que o tempo que não dormi, pensei. Que quando levantei queria-te aqui. Que quando deitei queria-te aqui. Que te quero aqui. Sempre.


Sobre cativar e responsabilizar

Talvez eu devesse entender que a cada caminho trilhado encontrarei pedras e cacos de vidros de garrafas de vinho tinto seco ao chão. Talvez fossem cacos de corações vazios apunhalados pelo desejo incondicional de amar e se aprisionar nas correntes de outros corações que pouco se importam. Entendo que a culpa de tudo não é o amor e que geralmente as pessoas o utilizam como uma metáfora desonesta para responsabilizar suas insanidades platônicas. Mas o que me intriga, diante de toda essa essência eventualmente minha, é que as pessoas não se sentem responsáveis pelo outro que cativam. Que não se arrependem das palavras que não deveriam ser ditas, nem subentendem em seus gestos e expressões um pingo de pena, apreço ou carinho. Sobre o que cativamos, apenas me resta perceber que não haveria lógica, cabimento - ou qualquer outra palavra que coubesse expressar o que quero dizer - em se ter corações partidos, quebrados, e seus cacos sendo pisados em chãos imundos que provavelmente diversos bêbados já vomitaram ou tropeçaram. Hoje vejo o amanhecer sem ao menos ter dormido. Vejo a chuva sem ter visto o sol. Vejo o céu sem ter visto as nuvens. É tudo ou nada. São coisas distantes que nos colocam sempre no mesmo caminho: aquele que tem pedras, cacos de vidros e corações vazios. Não vejo sentido na vida se não encontrar outra curva que nos leve para longe de pessoas desnorteadas com suas vidas de abutres ou vampiros sugando até mesmo o que o outro não tem. Desperdiçando até mesmo o que o outro não pode dar. Não culpe o amor. Responsabilize as pessoas, pois elas magoam, pisam, matam, desorientam - quando amam. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Quando os outros tem um pouco de si

Enquanto todo outro tem um pouco de si, eu tenho tão pouco de mim, às vezes. Sufoca como quando venta em excesso, mas se desfaz quando surge ajuda. Aprisiona quando desconheço o rumo das coisas, mas liberta quando reconheço minhas próprias prisões. Não é uma questão de enlouquecer ou driblar os caminhos da vida. Isso não é possível. É algo como subentender que a necessidade do outro se encontra além da sua. Que os problemas do outro são mais importantes ou reais que os seus. E eu não sinto como se fosse um trabalho ou obrigação. Eu não me vejo sem o outro. Recarrego a pilha e acordo para um novo dia. 

A poeira cósmica se junta com a poeira domiciliar. Era tanto bukowski para pouco vinho tinto derramado sobre a mesa. E eu sigo reabrindo os caminhos dos outros em mim. Sigo preenchendo meus vazios internos com que os outros pensam ou falam. Como se isso fosse uma forma de amenizar a minha própria desorganização. Como se eu conseguisse culpar, enfim, alguém ou algo. Mas não. Me sinto como um colchão inflável que vai armazenando problemas e quando estoura, perde o ar, perda a maciez, perde o conforto. E estourei, pouco tempo atrás. Me vi num cubículo de quarto tentando resgatar as minhas forças para fazer algo da qual eu não queria fazer. Me senti uma caixa de papelão que, ao molhar, amolece completamente, perdendo a resistência para aguentar certos pesos. Era eu, as pessoas, e o nada.

Mas quando me vi no outro, senti algo tão mais forte quanto da primeira vez. Me vi sentada, sob um céu azul, ouvindo algo como blues com aquele cigarro especial na mão, pedindo ao cara lá de cima ou à qualquer coisa, força, sentido, fé superior para que resgatasse o que eu havia perdido dentro das minhas próprias confusões mentais. Da minha desistência, encontrei vida. E isso não se resume apenas na beleza em que os meus dias estavam começando a ficar, mas sim no ato de encontrar vida no que você, tão ingenuamente, achava que havia matado. E encontrei, reencontrei, reavivei. Reorganizei os males de dentro de mim. Não omiti, nem menti. Não minto: a vida é dura às vezes, mas depois se amolece. Não esqueça essas palavras. Não são para confortar. São verdades. 

E tu, já te encontraste no outro hoje?

O gato

Era para ser um texto. Era para tê-lo escrito à mão. Era para conseguir expressar tanta coisa, mas não o fiz. Por que, vezenquando, guardamos o desnecessário e evitamos o que nos corrói? Seria medo?

A imperfeição faz parte do cotidiano de nossas vidas. Se faz presente, também, a ansiedade do amanhã que virá, dos novos ventos que sopram o caminho da plenitude. 

Minha ânsia, por si só, se destaca da tua por almejar um bem maior, que traga vida, que traga esperança e cor nos nossos dias. Eu queria escrever para dizer que só agora eu sinto que posso deter os homens maus, opressores e de má fé no coração. Que não há preparação para a vida, ela, tão inocentemente, já nos prepara para o que iremos viver ao tropeçar a calçada e virar para a próxima esquina.

Em cada canto da cidade existe um pouco da nossa caricatura, que se desfaz quando o gato que está em cima do muro não é visto com a mesma perspectiva. Quero dizer, não existe o que não enxergamos. Não existe o que não pode ser visto. Existe, sim, o que pode ser sentido, por mais exagerado que soe. E a esquina que ultrapassamos se torna pó no filtro da memória, mas o gato que vimos em cima do muro, observando as estrelas que embelezam o céu, de alguma forma se destaca dentro dos nossos olhos. Esse é o ponto máximo do nosso espírito natural: recriar perspectivas do que enxergamos e vivemos ao longo do dia.

Eu escrevi um texto. Eu escrevi um texto à mão. Eu expressei algumas coisas, aleatoriamente, das quais sentia necessidade em falar. Mas eu queria ter que reescrevê-lo, pois não gostei da forma como ficou. Será questão de perspectiva? 

Que se construam novas palavras, pois o meu vocabulário cessa ao falar de nós. Um abraço.